História e Património

TENDAIS

Tendais é o nome de uma das catorze freguesias do município de Cinfães, situado a sul do rio Douro. O topónimo, raro em Portugal, parece relacionar-se com as qualidades agrícolas e (ou) pastoris do lugar. No século XVII tendal era o local onde se tosquiavam as ovelhas, mas, se procurarmos a raiz da palavra, tenda, esta evoca a venda ou loja itinerante, com os seus panos ou cobertas.

A primeira referência documental, para já conhecida, referente a Tendais é a de uma escritura 1109, associada à terra de São Salvador. Neste tempo, a divisão administrativa fundava-se numa lógica militar, de terras encabeçadas por castelos. O castelo de São Salvador estaria situado entre Cinfães e São Cristóvão de Nogueira (talvez no monte de Sampaio) e serviria para proteger a linha do Douro no conturbado período de guerra entre cristãos e muçulmanos. É possível que, passado este tempo de conflito, houvesse uma reorganização dos limites das terras com a fusão ou cisão de algumas, como no caso de São Salvador. Tendais, que poderia ter estado incluída naquela terra desde o tempo da Reconquista (séculos VIII-X), separou-se dela, seguindo uma estratégia de povoamento ou repovoamento das áreas serranas, levada a cabo por nobres militares como Mem Moniz (irmão do famoso Egas Moniz, dito o aio), a quem o rei doava os seus domínios para que fossem colonizados.

Para tal, deve ter contribuído o nascimento da paróquia em torno de uma ermida dedicada à mártir Cristina. Esta devoção, possivelmente trazida pela segunda esposa de Mem Moniz, chamada Cristina Gonçalves, das Astúrias, ajudou à autonomização do pequeno território, entre dois ribeiros, o do Bestança, no sentido sul-norte e dos Prados, no sentido sudoeste-nordeste. O aro medieval, como é referido nas Inquirições de 1258 era composto de povoações à vista da primitiva ermida de Santa Cristina: Mourelos, Meridãos, Sá, Casais e Soutelo. Paulatinamente juntaram-se-lhe os lugares serranos de Aveloso, Marcelim e Macieira (aforados pelo casal Mem Moniz e Cristina das Astúrias) assim como os da ribeira: Vila de Mures e Enxidrô. Formaram-se outras povoações: Valverde, Granja e Fermentãos, acrescentando e dilatando o termo de Tendais, em 1258 referido como julgado, ou seja, lugar com juiz e justiças, embrião do futuro concelho.

No século XVI, Tendais era já um município com o seu termo perfeitamente definido, limitado a sul pelos concelhos de Cabril e Alvarenga, a oeste pelo de pelo de Cinfães e a este pelo de Ferreiros de Tendais. Recebeu foral a 3 de Setembro de 1513, ordenado por D. Manuel I, e onde se referem as povoações já citadas, excepto Aveloso (despovoada) e Macieira (talvez na mesma situação).

Pelo Numeramento de 1526, do reinado de D. João III, sabemos que aqui existiam 150 moradores, ou fogos, sendo as aldeias mais urbanizadas as de Meridãos e Soutelo, com 17 moradores e a de Mourelos, com 16. Seguiam-se Fermentãos, Quinhão e Vila de Mures com 13 moradores cada. As principais aldeias estavam associadas à passagem de itinerários principais que ligavam a serra à ribeira, próxima ao Douro. Nestas aldeias foram-se instalando as principais elites que, até 1836, partilharam entre si o poder do governo da terra, nomeadamente em Meridãos onde avultam algumas casas senhoriais (Portela, Rêgo, Outeiro). Mas, apesar do estatuto de concelho, Tendais não possuía nem paços para reunião dos vereadores, nem tribunal para trabalho dos juízes. Estes actos públicos seriam praticados em lugares privados (como a casa dos funcionários) ou junto à igreja e adros das ermidas locais. Sabemos que, no século XVIII, a câmara de Tendais era composta por 1 juiz dos órfãos, 2 tabeliães (um deles escrivão da câmara, dos órfãos e almotaçaria), 1 contador, 1 inquiridor e 1 meirinho.

O rei D. João I fez mercê de Tendais a vários nobres da sua confiança, como Gonçalo Pires de Távora (1375) e Nuno Álvares Pereira, o Condestável do Reino que recebeu o senhorio da terra em 1398. Dada a importância desta figura no contexto político de então a oferta não seria de somenos importância, certamente com rendas significativas para engrandecimento da casa do militar.

Os netos de D. Nuno Álvares Pereira, D. Isabel (1402-1465) e D. Fernando (1403-1478) trocaram entre si as terras de Tendais e as de Campo de Ourique, em 1424. Na descendência de D. Fernando, Tendais permaneceu na Casa de Bragança a que se veio juntar, no século XVI, a vizinha terra de Ferreiros de Tendais.

Durante muito tempo houve alguma confusão entre as designações Ferreiros de Tendais e Tendais, sobretudo por ambos os concelhos integrarem o senhorio da Casa de Bragança e alguns escrivães os não distinguirem claramente, ao escrever «Ferreiros e Tendais». A designação «de Tendais» nada tem a vez com a submissão ou pertença de Ferreiros à sua vizinha localidade – de resto, bastante maior em extensão. Servia, apenas, para a distinguir das dezenas de povoações e freguesias denominadas Ferreiros, que existem pelo país.

A Casa de Bragança era, no século XVI, uma das principais casas nobres portuguesas, com um vasto conjunto de bens e direitos de norte a sul do Pais. Embora os seus domínios se concentrassem no Minho, em Trás-os-Montes e no Alentejo, este pequeno enclave do Douro, constituído por Tendais e Ferreiros de Tendais, permaneceu naquela Casa até ao século XVIII, quando D. Maria o doou a Luís Pinto de Sousa Coutinho (1735-1804), primeiro visconde de Balsemão.

Importa ressalvar, contudo, que o padroado da igreja, isto é, os direitos sobre a nomeação do pároco, arrecadação de rendas e o dever de construir e reconstruir a capela-mor da igreja, foi em Tendais, primeiro dos fregueses, depois da Casa de Bragança, tornando-se real (prerrogativa do rei) depois da doação da terra aos viscondes de Balsemão.

No lugar de Quinhão construiu-se a igreja matriz, talvez a substituir a tal ermida de Santa Cristina, e cuja igreja (de provável fundação medieval, exígua) foi ampliada em 1777. No mesmo lugar, a pouca da distância da igreja levantava-se o pelourinho – ou picota, como lembra o topónimo local. No pelourinho expunham-se os criminosos que praticavam penas leves. Na forca, que se situaria próximo ao lugar de Valverde (onde ainda persiste o topónimo) executavam-se os criminosos conduzidos à pena de morte. A existência do pelourinho confirmava a plenitude da autonomia do concelho, que podia administrar a sua própria justiça.

Como terra da Casa de Bragança, os crimes mais graves podiam ser apelados para o Tribunal da Ouvidoria (ou comarca) de Barcelos, a que Tendais pertencia. A Casa de Bragança tinha um estatuto de quase-Estado, dentro de Portugal, pois administrava a própria justiça e tinha diversos tribunais, distribuídos por ouvidorias ou comarcas.

Para além dos Duques de Bragança outros nobres detinham poderes e vários bens em Tendais, como os Pintos e os Távoras, com propriedades na zona ribeira da freguesia. Mas, a maior parte do território do julgado, primeiro e, depois, do município foi foreira ao rei e à Casa de Bragança - embora certos moradores pagassem foros a outras instituições, como à própria igreja paroquial, a ordens e casas religiosas e a senhores laicos. Alguns casais de Soutelo eram tributados pelo mosteiro de Salzedas (c. Tarouca) da Ordem de Cister, em Marcelim e Meridãos pagavam-se foros ao mosteiro de Paço de Sousa, e a Granja foi fundada pelos monges premonstratenses da Ermida do Paiva, que nela dispunham de rendeiros. De resto, também os monges de Salzedas tinham um celeiro em Meridãos, onde recebiam as rendas que lhes eram pagas em géneros.

Terá sido graças à acção de ordens como as dos premonstratenses que se humanizou e arroteou o território, propiciando áreas de cultivo onde havia apenas serra pedregosa. Resultado desta intervenção podemos encontra-la, talvez, na paisagem cultural agrícola ainda preservada, entre Granja e Soutelo.

E foi graças à acção de vários religiosos, nomeadamente abades e párocos locais que se estabeleceram as primeiras infraestruturas de ensino e apoios sociais, numa pequena freguesia rural, sem Misericórdia, albergarias ou hospitais. Em Tendais não havia Casa da Roda, isto é, um local onde as mulheres que tinham filhos indesejados podiam deixar as crianças para serem criadas por amas e tuteladas pelo Estado. Apenas existia roda em Fundoais, no vizinho município de Ferreiros de Tendais e, por isso, não poucas vezes se expunham recém-nascidos às portas das casas.

Importa notar que a taxa de ilegitimidade, em Tendais, foi elevadíssima durante o Antigo Regime (séculos XVI-XVIII), chegando a atingir 25% dos nascimentos. Tal constituía um problema de saúde pública, contribuindo para mortalidade infantil, mas também demográfica, pois dava origem a uniões consanguíneas indesejadas, que advinham do desconhecimento de parentescos entre nubentes. Num território exíguo, em que o mercado matrimonial era reduzido, esta consanguinidade era transversal a todos os estratos da sociedade, como se vê pelas constantes referências a pedidos de dispensa nos assentos de matrimónio dos registos paroquiais. Este aspecto pode explicar a abundante disseminação do apelido Resende, que nesta região constitui um dois focos de ocorrência deste sobrenome português. A outra acontece no eixo Ovar-Aveiro.

A sacerdotes de Tendais deve muito a comunidade. A nova igreja paroquial, de 1777, foi construída graças ao generoso legado do padre Dâmaso Pinto de Resende (n. 1732), de Meridãos; Manuel Cardoso de Sousa (1790-1865), de Soutelo, deixou em testamento um fundo para pobres; durante o paroquiado de José Soares Teles foi criada uma Comissão de Beneficência para auxílio dos mais necessitados e foi o padre Manuel Pinto Afonso (natural de Cinfães) que, entre 1947 e 1950, conduziu as obras para a construção da nova residência paroquial. Antes do professorado oficial e das escolas oficiais de Vila de Mures, de Meridãos, Fermentãos e Soutelo, construídas já no século XX o ensino fazia-se na casa de alguns clérigos. Recentemente o Padre Adriano Pereira, pároco de Tendais desde 1988, orientou a fundação e edificação de um Lar e Centro Social, a funcionar desde 2010.

Apesar de território rural, exíguo no seus limites e horizontes, fechado pelos cumes da serra de Montemuro, saíram desta freguesia quase uma centena de padres ou eclesiásticos. A sua literacia, ou seja, o facto de saberem ler e escrever, pode ter contribuído para o desenvolvimento de um ambiente cultural que ajuda a explicar a gerações de intelectuais aqui nascidos ou descendentes de famílias locais. Entre os padres que mais se destacaram historicamente salientamos os nomes de Dâmaso Pinto de Resende, da Portela de Meridãos, abade de Real (Castelo de Paiva) e Patrício Correia Peixoto, natural de Quinhão, reitor de Cinfães e responsável pela edificação da actual igreja matriz desta freguesia.

Importa salientar, contudo, o papel de leigos na cultura local e nacional, escrevendo, laborando intelectualmente ou desempenhando cargos de poder.

No século XVII, Maria Micaela de S. Bernardo, filha do Capitão-mor de Tendais, Baltasar Pinto da Fonseca e de sua mulher Maria de Resende, escreveu um diário espiritual, enquanto professava no Mosteiro de Odivelas. Nasceu em Valverde, em 1691 e dois dos seus irmãos foram religiosos em São João de Tarouca. A sua vida e obra encontram-se a ser estudadas por uma investigadora da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

De Tendais foram os cirurgiões e médicos Luís da Rocha Figueiredo (1768-1844), José da Rocha Miranda de Figueiredo (1798-1888), Manuel de Resende Rêgo (1808-1852), António José de Andrade (n. 1794). Formaram-se em leis António Correia Pinto (1783), Manuel Correia Peixoto (1757-1839), José Jorge de Gouveia Osório (n. 1843); António Jorge de Figueiredo (1873-1937), Eduardo de Resende Rêgo (n. 1877); Manuel António Pinto da Fonseca (n. 1801); em cânones Pedro Vaz (f. 1612), Paulo Pinto (f. 1630). Nos últimos 100 anos formaram-se, ainda, em direito,Manuel António de Resende Rêgo, desembargador na Relação do Porto, Antero da Silva Resende (1926-2022), advogado e dirigente desportivo. Um dos conhecidos médicos de e a trabalhar em tendais foi Alpoim Resende Sousa, do Outeiro de Meridãos. De famílias de Tendais saíram outros graduados, licenciados, mestres e doutores, tais como dermatologistas, médicos dentistas, arqueólogos, entre outros. Filho de um tendalense da povoação de Casais é o famoso Carlos Alberto da Rocha Resende (n. 1971), andebolista de reputação internacional.

Devemos destacar a existência, em 2023, de uma comunidade de mais de meia centena de professores e pedagogos a laborar em vários estabelecimentos e graus de ensino no país, e cujo número confirma a vitalidade intelectual das gentes de Tendais, contrariando, assim, uma ideia de interioridade e ruralidade com que se por vezes se pretende diminuir a imagem desta região, reduzindo-a à beleza das suas paisagens ou ao pitoresco das suas tradições populares.

Escritores com obra publicada, naturais de Tendais ou com pais e avós desta, identificamos os nomes de Alfredo Resende Rodrigues, D. António Francisco dos Santos, Antonino Resende Jorge, Arnaldo Rocha, Aurora Rodrigues da Rocha, Graça Rocha, Helena M. de Resende, José Cabral Pinto de Rezende, Manuel Cabral Rezende Pinto. De famílias de Marcelim descende o romancista local, Guido de Monterey e dos Resendes de Tendais, provém toda a geração de intelectuais de Fundoais, os Sousas Pinto, notáveis matemáticos, lentes da Universidade de Coimbra e
Do lugar da Barroca, em Quinhão, foi natural José Rodrigues da Silva (1792-1846), mercador de panos e capitalista que granjeou fortuna entre Portugal e o Brasil. No seu palacete da cidade do Porto fez testamento, em 1846, deixando avultadas somas de dinheiro aos pobres da sua freguesia e até um fundo especial para ajudar jovens de Tendais a emigrar para o Brasil.

Em Tendais nasceu, em 1794, José da Silva Cardoso Pereira de Vasconcelos, figura de relevo na conquista de um lugar de destaque na sociedade numa época de pouca mobilidade social. Filho ilegítimo de um nobre, tornou-se num dos principais negociantes do Douro, enriquecendo e criando uma fortuna que aplicou na melhoria de Souto do Rio, um dos principais cais da região.

De Vila de Mures para o Brasil e Lisboa foi António Gonçalves Pereira de Andrade (1837-1910) emigrante de torna-viagem que se tornou capitalista e proprietário. Aos arruamentos dos terrenos que possuía em Lisboa, aos Anjos, atribuiu os nomes das suas sobrinhas Maria e Palmira. Estas casaram com empresários da época, ligados à indústria da moagem. Na fábrica “A Nacional” ao Beato, propriedade desta família dos Andrades, empregaram-se vários tendalenses, ali procurando a protecção dos seus conterrâneos. A António Pereira de Andrade deve-se, também, a construção da primeira escola de Tendais, localizada na sua terra natal, em Vila de Mures. O projeto foi determinado pelo seu testamento de 1910 e concluído em 1912.

Finalmente, ainda no domínio da filantropia, não podemos esquecer o nome de Maria Emília do Céu Resende (1889-1951), cuja fortuna serviu de base à formação da Misericórdia, Hospital e Lar de Cinfães. D. Maria Emília, nascida em Quinhão, bordava e pintava e algumas das suas obras ainda se encontram expostas no lar que tem o seu nome, na vila de Cinfães. Na sua família houve, também, outra mulher que se destacou pela vasta riqueza que possuía, dizendo então o que podia ir de Aveloso, onde morava, até Souto do Rio, junto ao Douro, apenas cavalgando por terras suas. Era D. Rosa Maria dos Santos (1797-1884), filha do Morgado de Aveloso, o já referido juiz do concelho em finais do século XVIII.

Em Meridãos nasceu José Rodrigues Pinto da Rocha Figueiredo (n. 1833), fotógrafo e proprietário de uma das mais conhecidas casas de fotografia do Porto, a União, sedeada na Praça de Santa Teresa, hoje Guilherme Gomes Fernandes. No seu atelier fotografaram-se os reis de Portugal e celebridades como Camilo Castelo Branco.

Em 1846 nasceu, na quinta das Poldras, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, explorador africanista, político e governador colonial. É provavelmente a figura mais conhecida associada a Tendais, mas daqui saiu cedo com os seus pais a caminho do Brasil. Quando regressou a Portugal curtas temporadas passava em Cinfães e quando o fazia, ficava por Porto Antigo e Rebolfe e, mais tarde, no Chalet do Paço que mandou construir junto a Fundoais, freguesia de Oliveira do Douro. Morreu em Lisboa, em 1900.

A 29 de Agosto de 1938, nasceu no lugar de Mourelos, António Francisco dos Santos, bispo auxiliar de Braga, bispo de Aveiro e do Porto, falecido em 2017. Em 20 foi inaugurado um monumento em sua memória, junto ao adro da igreja paroquial.

Entre 1836 e 1838 ocorreu a extinção do concelho de Tendais, apesar das queixas dirigidas às Cortes pelo Visconde de Balsemão e pelos três estados da terra: povo, nobreza e clero. Insuficiente população e extensão determinaram a passagem para um novo concelho, aglutinando São Cristóvão de Nogueira a Cinfães, com sede de freguesia no lugar deste nome. Em 1855, definiu-se a nova configuração municipal com a extinção de Ferreiros de Tendais e Sanfins da Beira, cujos limites ainda hoje se mantêm.

Depois de um julgado de paz conjunto com Cinfães em 1841 foi criado um juizado para Tendais em 1859, mas que terá funcionado pouco tempo.

O século XIX foi de grande agitação política e algumas famílias de Tendais participaram nesta movimentação, nomeadamente os já referidos Morgados e os Correias de Cotelo que com eles se uniram através de vários casamentos. Em Meridãos e Aveloso fizeram-se encontros políticos e promoveu-se a conspiração de indivíduos como José Correia (natural do Cotêlo mas aqui casado) e José António Pinto da Fonseca Amado, tenente de um batalhão de milícias. De Tendais partiram voluntários contra os partidários de D. Pedro e até um dos abades ligado a este partido, Joaquim de Santa Clara, de Fundoais, foi ameaçado de morte por alguns paroquianos mais exaltados. O Padre Santa Clara ficou na História por ter sido um dos professores do grande escritor Camilo Castelo Branco.

A República trouxe, em Tendais, como no resto do país, mudanças aos níveis institucionais e das elites. Encontrados cargos de confiança do novo regime, as famílias que desde séculos integraram as governanças da terra foram sendo substituídas. A própria instituição Igreja sofreu algumas provações, embora tenha permanecido como esteio da comunidade. Para a esvaziar a República criou as Juntas de Paróquia, que retiravam à igreja algumas funções assistenciais e controlo sobre os enterros, por exemplo. O cemitério, planeado ainda em monarquia (1898), só veio a receber as primeiras sepulturas em 1918. Foi recentemente (2022) ampliado.

Embora durante o Estado Novo se tenham levado a cabo pequenas obras de melhoramento, tais como escolas, casa do povo, fontanários e lavadouros, a principal obra foi a abertura da estrada nacional n.º 321, que liga Carneiro (em Baião) à estrada nacional 2 em Castro Daire. Pelo seu traçado aberto em terreno de montanha (traçado já pensado no século XIX) obrigou a um colossal planeamento e execuções faseadas. Lançada em 1950 só foi completada na década de 1970, quando já tirara a freguesia de Tendais do isolamento quebrado pela chegada do automóvel e por carreiras regulares de autocarros, ligando-a à vila, à linha férrea e à cidade do Porto.

A freguesia, embora marcada pelo crescente esvaziamento demográfico, como confirmam os últimos números dos censos, destaca-se por um notável conjunto de associações, embora a maioria seja de pendor folclorista, procurando manter tradições populares ligadas à dança, ao canto e às práticas artesanais. Entre elas, a Associação de Defesa e Promoção da Freguesia de Tendais, edita uma revista na qual se podem encontrar vários artigos sobre história e etnologia locais. Trata-se da Tendedeira, cujo 1.º número saiu em 2000.

Dotada de um rico património humano, a freguesia de Tendais, apesar da sua reduzida extensão, apresenta uma diversidade paisagística, associada a uma rica memória histórica que se reparte por vários bens móveis e imóveis. Desde os vestígios pré-históricos até ao património religioso, Tendais constitui um importante território cultural que importa conhecer e preservar.

Nuno Resende

PARA SABER MAIS:
https://historiadecinfaes.pt/

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COSTA, M. Gonçalves da - Tendais. Capítulo XIV: arciprestado de Cinfães. In COSTA, M. Gonçalves da - História da Cidade e Bispado de Lamego. Lamego: [Diocese de Lamego], 1979. Vol. 2: | p. 377-380.
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